terça-feira, 6 de abril de 2010

Antípodas


- O sol está se pondo, você viu? A parte de baixo dele já começou a desaparecer no horizonte.
- Então a esta hora deve estar amanhecendo no Japão.
- Onde?
- No Japão. Do outro lado do mundo.
- Ah, os antípodas.
- Pois é, os antípodas.
- An-tí-po-da é uma palavra horrível, não?
- Melhor que artrópodes.
(silêncio)
- Eu quero me matar.
(silêncio)
- Eu estou apaixonada.
- Você quer se matar porque está apaixonada?
- Acho que sim.
- Mas você só tem dezesseis anos.
- E o quê que tem? Não sei quem foi que disse que a gente devia se matar na adolescência, quando as coisas ainda são bonitas.
- As coisas não são bonitas?
- Não. Odeio cada pedra desta cidade. Cada porta. Cada casa. Cada cara que passa por mim na rua. Odeio, odeio.
- Mas não se mate.
(silêncio)
- Por favor.
- Por favor o quê?
- Não se mate.
- Ah, esquece. O sol está indo embora. Só falta um terço dele.
- Ninguém se mata por amor.
- Agora só tem uma lasquinha dele, bem vermelha.
- Olha, uma vez eu li um cara, um escritor chamado Cesare Pavese, que dizia assim: "Ninguém se suicida por amor. Suicida-se porque o amor, não importa qual seja, nos revela na nossa nudez, na nossa miséria, no nosso estado desarmado, no nosso nada".
- E o que aconteceu com ele, esse tal Cesare?
- Se matou.
(silêncio)


Do livro "Ovelhas Negras" do Caio

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